12/04/2010

Recortes de um Divã (PARTE II). - Terapia de Grupo.

Sou eu que começo? Não sei o que dizer sobre mim. Não me sinto uma mulher como as outras. Por exemplo, odeio falar sobre crianças, empregadas e liquidações. Tenho vontade de cometer haraquiri quando me convidam para um chá de fraldas e me sinto esquisita à beça usando um lencinho amarrado no pescoço. Mas segui todos os mandamentos de uma boa menina, ou pelo menos tentei: brinquei de boneca, tive medo do escuro, e fiquei nervosa com o primeiro beijo. Quem me vê caminhando na rua de salto alto e delineador, jura que sou tão feminina quanto as outras: ninguém sequer desconfia do meu hermafroditismo cerebral. Adoro massas cinzentas, mas também adoro cor – de – rosa. Penso como um homem, mas sinto como mulher. Não me considero vítima de nada. Sou autoritária, teimosa e um verdadeiro desastre na cozinha, apesar de ter melhorado um tantinho considerável. Peça para eu arrumar uma cama e estrague meu dia. Vida doméstica é para os gatos.
Nossa, pareço uma metralhadora disparando informações como se estivesse preenchendo um cadastro para arranjar marido. Ponha na conta da ansiedade. A propósito, não quero casar e quero menos ainda ter filhos.
Vivo cercada de pessoas, mas nunca somos nós mesmos na presença de testemunhas!
Às vezes me sinto uma mulher mascarada, como se desempenhasse um papel em sociedade só para se sentir integrada, fazendo parte do mundo. Outras vezes acho que não é nada disso, hospedo em mim uma natureza contestadora e aonde quer que eu vá ela está comigo, só que sou bem educada e não compro briga à toa. Enfim, parece tudo muito normal, mas há uma voz interna que anda me dizendo: ‘Você não pode esperar, colega. ’ É como se eu tivesse além de uma consciência oficial, também uma consciência paralela, e ela soubesse que não vou segurar minhas ambigüidades por muito tempo.Tenho um cérebro masculino, como lhe disse, mas isso não interfere na minha sexualidade, que é bem ortodoxa. Já o coração sempre foi gelatinoso, me deixa com as pernas frouxas diante de qualquer um que me convide para um vinho. Faz-me dizer tudo ao contrário que penso: nessas horas não sei onde vão parar minhas idéias viris. Afino a voz, uso cinta – liga, faço strip – tease. Basta me segurar pela nuca e eu derreto, viro pão com manteiga, sirva – se!
Sou tantas que mal consigo me distinguir. Sou estrategista, batalhadora, fria, porém traída pela emoção. Num piscar de olhos fico terna, delicada, romântica. Acho que sou promíscua, doutor Lopes. São muitas mulheres numa só, e alguns homens também. Prepare – se para uma terapia de grupo!

@Martha Medeiros - Divã. (adaptado).

Um comentário:

  1. amei não só esse como todos os outros que eu li perfeito msmo PARABÉNS

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