25/07/2011

Vento na parede.

Brinca de pintar a casa. A menina deitada no vento.
Joga tinta colorida e nova, na parede cinza e descascada da casa velha.
A base é sólida.. mas o telhado não é mais o mesmo e às vezes dá goteiras.
Chove dentro!
Mas a menina seca tudo, com o pano manchado com cores antigas, conhecidas.
E na mistura dessas cores, ela vê cor nova saltando com o tempo.
O mesmo tempo de vento que leva o telhado, e deixa a chuva limpar a pintura da casa.
Traz a cor nova da mistura que ela fez da vida.
E brinca, de colorir o sólido das cores sóbrias que construiu.
A menina se engana, mas quem não o faz?
A menina ri de si, ri do engano, ri da cor.
Ri do mundo que espera que ela não brinque mais.
E brinca de ser séria, e sóbria, e amarelada, desbotada.
Atriz!
Enquanto dá gargalhadas,
A menina sentada, dos olhos sérios que dizem apenas ‘bom dia’.
Brinca de dizer, e de ser o que esperam.
Enquanto ri. Pro vento, pra casa, pras cores, pro mundo.
Ri pra dentro, e só!
Dizendo e sendo, o que bem entende.
Jogando tintas de vento na parede, 
Sem pressa alguma de ver que cor vai soprar dessa vez!

12/07/2011

Calçando verdades

Ah, você sabe que não tenta de verdade.
Como assim, que verdade?
A minha, oras!
Eu gosto das minhas verdades. Cada dia escolho uma pra me fazer bem.
E se não dá certo, eu mudo.. Acho uma que combine.  Assim mesmo, como sapatos! 
Pode rir. 
Mas você sabe que faz sentido. 
Como quando a gente escolhe aquele par que parece confortável, por mais tempo!
Tem que combinar também. Sim, porque não? 
A verdade tem que combinar com a minha cara, como o sapato tem que ficar perfeito no meu pé!
Às vezes a gente tenta conviver com a verdade de quem a gente gosta, né?
Mas não dá muito certo e nós dois sabemos bem disso!
Às vezes também eu tento adotar uma só verdade, e me virar com ela.
Pra ver se facilita a compreensão. 
Sim, a sua e de todo mundo que tenta de algum jeito entender alguma coisa.
Mas eu sei, não tenho capacidade pra isso. Não sei ser uma só.
Talvez também nem tente de verdade. Ou não queira, por enquanto.
Com você sou uma.. Com outro, sou outra.. Amanhã posso ter trocado, invertido tudo..
E depois, começo tudo de novo. Cada um no seu lugar, na sua hora!
Não, não sou mentira! Nem pra você nem pro outro. Não sou de mentira pra ninguém!
Só ajo diferente. Faço o que acho que devo, na hora que devo e como acho melhor.
Como, pra quem? Melhor pra mim, é claro!
Porque cada um tem a verdade que merece.
E a verdade que eu mereço de mim, só eu posso escolher.

10/06/2011

Contando com os olhos.




Evito contatos demais.
Se eu sei que é bom, eu toco. Se não.. Toco também!
O importante é ter certeza.
Mas se eu não sei de nada, meu amigo..
Desencosta, chega pra lá.
Parece mesmo extremo demais, mas não é pra tanto.
É só que eu fico bem assim. – às vezes.
Ou eu conheço, e sei como e onde me afeta.
Ou não sei nada.
Ou toco com todos os dedos, e a certeza de voar ou cair.
Ou não toco!
Pro bem ou pro mal, conto nos dedos o que sinto.
Sinto com a pele, e com os olhos.
E os olhos contam tudo o que eu sinto.
Me entregam,
Como o dedo duro do dia em que me escondi na escola pra não voltar pra casa.
E eu assumo. Sumi porque quis. E quero ficar aqui!
Não sei até quando. E não acho o mais sensato.
Mas por enquanto, pra mim... Ou sou assim. 
Ou não sou!

26/05/2011

Soul Mate Indicators Tabajara - RECORTE XI.

Se você quase sempre se apaixona por pessoas que te provocam, que esperam que você seja mesmo melhor do que é, que te beliscam o ego, que te torcem as certezas, que lançam fogo no lago calmo e azul da sua mente. Se você transa melhor com aquela pessoa que te irrita. Se você conversa melhor com aquela pessoa que pode discordar, se você vê mais beleza nas faíscas, nas fagulhas. Se você tem você como grande prioridade, ainda que estar apaixonado seja sua grande prioridade. Se você até tenta resolver o problema mas, por causa dos seus problemas, acaba complicando um pouco as coisas. Se você ri bastante mas também é um pouco deprê. E gosta de gente engraçada que também é um pouco deprê. Porque a graça real vem da tragédia que é estar vivo. Se você tem inveja de quem ama, apenas porque ama tanto que às vezes gostaria de viver dentro da pessoa. Ou só porque a inveja e o amor são coisas que nos acometem e não tem muito o que fazer. Se você tenta caminhar na corda bamba, mas vive esfolado, machucado e tonto, de tanto cair. Se você às vezes manipula e intimida e não deixa segura a pessoa amada, porque você é estragado de cabeça e de coração. Mas também abraça, pede desculpas e vomita tanta sinceridade que consegue ter charme e pureza nas maldades. Enfim, se você é errado e não serve pra alma gêmea de ninguém, talvez eu seja sua alma gêmea.


22/05/2011

Surdo mundo.















Sentar e ouvir, morar dentro.
Dentro de casa, da lata, do mundo.
Do mundo de dentro. Do mundo meu.
Meu sonho, no sono pesado do mundo.
Mundo parado, quieto, insosso, reto.
Reto de causa, de casa, reto de sonho, reto de mundo.
Mundo escuro, cego, quieto de morar.
Mundo sem sonho, sem sono.
Mundo mudo, sentado, morando.

Morando calado no mundo do sonho, o mundo.
Mundo da casa de dentro da gente.
Levanto, e saio do mundo.
Mudo, gritando um mundo de sonho, só meu.
Meu mundo, meu sonho, meu giro.
Mudo, abafado no sono.
E mudando o mundo de dentro.
Continuo no sonho, e só.
Sentada, calada, ouvindo e morando.
No mundo surdo de fora, que apaga o de dentro.
E não mora!

15/05/2011

Tempo e sorte.


Não gosto mais disso.
Sabe, ficar assim sem saber o que falar?
Tanto tempo sem falar nada.. E quando eu pareço explodir de ideias.. Elas saem correndo, como se eu fosse o maníaco daqueles livros de suspense médico, que eu não gosto, mas quando começo a ler, não paro nem pra respirar.
Ah, eu acho que no fim das contas eu não tenho mesmo o que falar, e fico aqui tentando enfeitar o tédio, a ansiedade e o frio na espinha.  Feito aquela menina, que senta na escada pra fingir que tá super empolgada com uma história qualquer, quando na verdade ela tá ali totalmente concentrada no caminho, esperando que algo aconteça, pra ela parecer surpresa e feliz, e finalmente ter motivo pra confessar que acredita em destino. Sabe destino? Então, como eu já ouvi dizer.. Eu acho que metade é tempo, e a outra metade é sorte. E eu só acredito nisso agora, e só acho que acredito. 
Mas enfim. A menina senta, olha pros lados. ‘Ótimo, não tem ninguém prestando atenção.’
Segura o livro, tapa os ouvidos e faz pose, cara de paisagem... Pura cena!
Pra parecer concentrada, desligada, desimportante, e desinteressada no mundo! E faz bem. Todo mundo acredita, que ela realmente não vê nada, não acha nada, não ouve, nem sente absolutamente nada.  Ali, imóvel. Quase uma mobília.
E eu não gosto disso, não assim. Não gosto de não saber o que vou esperar. Não gosto de parecer a menina da escada que tá sempre esperando demais. Não gosto de parecer outra menina qualquer. Além daquela que percebe o que de fato acontece, enquanto meninas fingem ler e estar distraídas e desligadas.
Gosto de ser acordada pelos meus sonhos, mesmo não gostando deles. Entende?
 Nem eu! Mas entenda, que eu gosto apenas de ver, e de ser pra mim, não apenas parecer.. apenas pra mim, quem eu sempre dei a entender que não era. Mentira! Pura cena!
Agora eu mudo todos os dias, e não consigo me observar de forma prática.
E eu não sei, não sei mesmo. Se gosto ou não disso. Mas agora, a menina levanta e encara os outros nos olhos, perdendo a sua capsula protetora de ver de fora o que todo mundo tenta ser pro outro, e pra si próprio.
A menina levanta, e sorri. E aquela história de ‘manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo’. É história pra boi dormir. Porque depender de sorte e tempo, é uma coisa que eu não sei dizer se ainda gosto, mas sei que é uma coisa que eu não sei fazer.
Nunca soube!

27/04/2011

Ninguém - RECORTE X.

Sapato baixo, calça larga e cabelo preso. Esquentou e seus ombros tensos agradecem. Que cara bonita é essa? Já logo no elevador. Ah, devo ter dormido bem. Bom dia, bom dia. Olha, você está muito bonita hoje. Um fala, outro concorda. E pelos corredores, sorrisos dão continuidade aos elogios. O que é? Que segredo ela guarda? Que novidade é essa? Na cozinha perguntam: novo amor? No estacionamento perguntam: voltou com alguém? No restaurante, na hora do almoço: é alguém novo? Cruza com um namorado antigo "nossa, você tá muito... é o quê? Sexo? A noite toda? Conta, vai, eu agüento ouvir". Contar o quê? No espelho, enquanto escova os dentes, fecha os olhos e sabe pra si o segredo: ninguém. Não gostar de ninguém. Nada. Nem um restinho de nada. Nem de tudo que acabou e nem de nada que possa começar. Nada. Pouco importa qualquer outra vida do mundo. Não é nem pouco, é nada mesmo. Um dia inteiro para achar gostosas coisas bobas como um pacote de pipoca doce, um tênis pink ou a hora do banho quente com músicas recém baixadas e o tapetinho vermelho. Um dia inteiro sem escravidão. O celular, o e-mail, o telefone de casa, o ar, o interfone, a rua. São o que são e não carrascos que nada dizem e nada trazem. Um coração calmo, se ocupando de mandar sangue para as horas felizes de trabalho, estudo, yoga, massagem, dormir, bobeiras, pilates, comer, rir, cabelo, filmes, comprar, trabalhar mais, ler, amigos . É isso. Uma agenda enorme que a ocupa de ser ela e não sobra uma linha de dia pra lamentar existências alheias. Linda, ela segue. Linda e feliz como nunca. O segredo do espelho, escovando os dentes, sozinha, aperta os olhos, segura a alma um pouco sem respirar. Segura a pasta pensando que é um pouco de alma consistente na boca. Não cospe, suporte. Ela pode finalmente suportar seu peso e não dividir isso nem com o ventinho que entra pela janela. Nem com o ralo que a espera boquiaberto. A sensação é a da manhã seguinte que o papai Noel deixava os presentes: não é mentira, é só um jeito de contar a verdade com algum encantamento.



18/04/2011

Poesia e só.

A correria e o passar dos dias de forma rigorosa têm me tirado a poesia. Tenho estado sempre cheia.
Cheia de idéias, cheia de vontades, cheia das pessoas – só algumas -, cheia do que fazer e do que falar – mesmo sem ter vontade de falar nada.
E por outro lado, estou vazia.
Vazia de gente que eu goste, vazia de tempo sobrando, vazia de paciência, vazia de essência.
Tento ficar pelo meio. Achar um jeito de me equilibrar na corda do tempo que vai afinando sob os meus pés.
Mas tem sido cada dia mais difícil achar no meio de tanta bagunça, de tanta informação, de tan.. Como assim, ‘achar o que’?
A minha poesia, a minha calma, a minha vontade, o meu sonho.
Não. Não é que eu tenha vontade de sonhar. Você sabe que eu nunca quis, e continuo não querendo. Acordar aos pulos, às quedas, aos gritos, aos sonhos. Enfim.
Quero o sonho acordado, de sempre querer algo novo, de me manter em vigília pra não perder um detalhe sequer de tudo de bom que eu posso ter.
Mas eu tenho vontade agora, apenas de dormir. Meu sono pesado de sempre.
De sempre ser sonho, ser calma, ser música, com sorriso aberto e olhos fechados. – ou não.
Mas ser, poesia sonhando, e só!

14/04/2011

Hey, chora pra frente, baby. E anda!

Me falta paciência pra escutar.

Sabe, quando dá nos nervos?
Hei, baby! Acorda! Você já chorou de verdade?
Já sentiu doer de verdade? Já ralou a carinha no chão, baby?
Quantos anos você tem? Quantos muros, você teve de fazer?
Pára de reclamar, garoto! Vai fazer alguma coisa!
Como assim, ‘fazer o que?’ Você não tem vida?
Enche a cara, sai com uma puta, ouve um rock, faz a cabeça.. Sei lá!
Vai viver, amigo.
Se preferir, vira gente grande e tenta ser Homem!
Planeja coisas, casa, estuda, trabalha, planeja mais coisas, e fingi que ta bem.
Conheça pessoas que finjam ser normais, se passa por normal também.. E aprende a sofrer!
Mas sofre pra você, ta?
Sofre com o travesseiro, sofre com músicas melosas e cantores de samba, da voz triste e bonita.
Sofre com a poesia dos outros, com livros dramáticos e filmes trágicos. Diz que ta chorando por eles.
Sofre com papel e caneta, colega. Com lágrimas e soluços só seus.
Mas não aqui. Não agora!
Tenho dores de gente grande, desde pequena, – e isso não quer dizer que eu cresci muito! – e não ando pedindo arrego.
Tenho problemas também sabia, baby?
Mas isso é problema meu! Sempre foi!

Então faz assim.. Chega pra lá.
Cada um sofrendo no seu quadrado – ou não.
Dá até pra dizer o que eu acho.. Mas agora não.

Tá bom, eu ouço.. fala!
'3.. 2.. 1..'
Pronto! Agora, me deixa quieta e chora pra lá.

Porque to sem paciência até pra falar!

11/04/2011

Mudos acordes.


Entramos num acordo, então.
Um acorde de cada vez, pra não desafinar.
Acordes mudos, do mundo do sonho.
Cada um no tom que lhe cabe.
E cada tempo no seu tempo certo.
De modo que cantemos juntos,
e não deixemos de lado a harmonia.
A nossa harmonia!
E quando a voz acabar.
Que calemos em sonhos, 
e apenas possamos sorrir.
Com os olhos, bocas e corpos.
Conversando calados, no ritmo certo.
No ritmo nosso!

22/02/2011

Ela sempre esteve lá. [recorte IX].

Ela manda na sua própria vida mas deixa você escolher o cardápio do dia. Quando você diz que não gostou da roupa dela, ela lamenta e vai assim mesmo. Sua opinião, suas escolhas, seu jeito – não tente mudar. Sabe fazer lasanha, ponto-cruz e dengo. Alguns dias prefere champagne e música alta, outros prefere pizza e cobertor. Ela é uma surpresa, ela adora surpresas. É o tipo que diz preferir dar presentes do que receber, mas seu coração sempre se derrete com aquele laço vermelho na sacola da sua loja predileta. Adora jóias mas dá um imenso valor pra aquela flor que você fez com o guardanapo do restaurante ou aquela rosa que você comprou do tiozinho enquanto ela ia ao banheiro.



Todo mundo nota que ela é especial. Ele não nota, ele nunca notou. Ela sempre esteve lá. Mas até quando?

16/02/2011

Pra mais ninguém.

E eu volto pro mesmo lugar.
Como não?  Sempre volto, e você sabe disso!
Sentada, encolhida, recolhendo os pedaços da última tentativa de sair.
Volto a me esconder aqui, e permaneço.
No fundo escuro do labirinto, o mesmo de sempre, claro!
Cansada, de mais uma vez achar que estava chegando à saída.
Exausta de dar de cara com as paredes.
Lamentando a cada segundo por saber que todas as paredes são minhas.
Somente minhas. E de mais ninguém!
Eu as construí, e cerquei com milhares de camadas de concreto.
O concreto incrédulo, do medo que afasta tudo em volta.
Não é fácil sustentar uma luz - aquela do fim do túnel, sabe? - então, ela não existe!
Eu a inventei, e a sustentei com minhas próprias forças durante todo o tempo.
Como que forças? Pára de rir, eu to falando sério!
Sobrevivi até aqui, não foi?  Então pronto, a força é minha, e eu a chamo como bem entender.
Mas enfim. Eu criei, acendi, e sustentei essa luz até não poder mais.
E farei isso, quantas milhões de vezes achar que devo.
Até porque, a luz é minha também. E de mais ninguém!
Mas agora não!
Agora estou apagada, desligada novamente.
Sentada no canto, escondida, por tempo indeterminado. Acordada!
Pensando no que fazer, com a luz, com a dor, com o amor, com todo o resto que ficou.
Ah, claro que fica.. Sempre fica alguma coisa, às vezes coisas demais.
A diferença é que quando fica, fica só pra mim.
E pra mais ninguém!

04/02/2011

RECORTE VIII - Doidas e Santas.

“Toda mulher é doida. Impossível não ser. A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor, a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar nosso poder de sedução para encontrar ‘the big one’, aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais… Uma tarefa que dá para ocupar uma vida, não é mesmo?
Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante. Pois então. Também é louca. E fascinante.
Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Ultima Gota. Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada? Você vai concordar comigo: só sendo louca de pedra.”

@Martha Medeiros

25/01/2011

RECORTE VII.

Veio num sonho, certa noite. 
Ela o amava. Ele a amava também.
E ainda que essa coisa, o amor, fosse complicada demais para compreender e detalhar nas maneiras tortuosas como acontece..
Naquele momento em que acontecia dentro do sonho, era simples. 
Boa, fácil, assim era.
Ela gostava de estar com ele, ele gostava de estar com ela. Isso era tudo.
Dormiam juntos, no sonho, porque era bom para um e para outro estarem assim juntos, naquele outro espaço. Não vinha nada de fora, nem ninguém.
Com um jeito tranquilizador de deixar sempre no ar que nada do que é humano lhe é estranho.

@Caio F. Abreu

12/01/2011

Sleeping.

Sentar no topo do mundo, e escolher de qual abismo se jogar.
A certeza é que nenhuma das escolhas vai deixar de ter implicações futuras.
Desde decidir entre o café quente, ou o suco gelado.
Até ter a certeza de querer lidar com máquina ou com gente.
A maior dificuldade é chegar à conclusão final.
Depois, é paciência e jogo de cintura. É sentar pra descansar!
Jogar os pesos pra cima e mergulhar no mar. Ficar lá!
Não ouvir, não ver, não falar!
Nada. Nem ninguém!
Perder a consciência e descansar de si.
Recuperar o fôlego, e sair.
Em, 3..2..1.. ON!
Acordar, sorrir e andar!

07/01/2011

RECORTE VI.

[...] E você riu e disse "mas eu só estou fazendo minhas coisas". E eu me senti idiota e louca e chata e isso foi muito cruel ainda que seja tão normal. Normal não me serve não encaixa não acalma. E eu achei que a gente podia ter uma bolha nossa pra ser louco e improvável e protegido do lugar comum do mundo mediano adulto das pessoas que riem e fazem suas coisas. E tudo ficou feio, até você que é lindo ficou feio. E eu quis me fazer cortes. Porque viver é difícil demais. E todo mundo me olhando, rindo, fazendo suas coisas. E daqui a pouco eu rindo e fazendo minhas coisas. E no fundo, abafado, dolorido, retraído, medicado, maduro, podre: onde está o amor? Onde ele vai parar? Onde ele deixou de nascer? Onde ele morreu sem ser? Por que eu sigo fazendo de conta que é isso. As pessoas seguem fazendo de conta que é isso. E por dentro, mais em alguns, quase nada em outros, ainda grita a pergunta. O mundo inteiro está embaixo agora do seu lindo e refinado e chique e rico prédio empresarial de milionários. Gritando nas janelas, batendo nas portas, tirando você da sua reunião: o que você fez com o amor? Esse dinheiro todo, essa responsabilidade toda, esses milhões todos, essas pessoas todas que você quer que te achem um homem. E o amor, o que você fez com ele? Enfiou no cu? Colocou na máquina de picar papel? Reaproveitou a folha pra escrever atrás? Reciclou? Remarcou pra daqui dois anos? Cancelou? Reagendou o amor? Demitiu o amor? É o amor que vai fazer você ser isso tudo e não isso tudo que você usa pra dar essas desculpas pro amor. [...]

[...] Eu aleijada, engessada, roxa, estropiada, quebrada, estou na porta, esperando você, por favor, me ensina, o que fazer, vou fazer o mesmo com o meu. Vou mandar junto com o seu. Nosso amor pro inferno, longe, explodido, nada. E a gente almoçando em paz falando sobre o tempo e as pessoas escrotas e o filme da semana. Bela merda isso tudo, bela merda você, bela merda eu, bela merda todos os sobreviventes que riem e fazem suas coisas e almoçam e falam de filmes. E por dentro o buraco gigante preenchido por antidepressivos, ansiolíticos, calmantes, cervejas, maconhas, viagens e mais reuniões. Pra onde foi o amor? De pé seguimos pra nunca saber, pra nunca responder, pra nunca entender. Pra onde? [...]

[...] E agora eu louca porque não se pode sentir, porque senti sozinha, porque não se pode sentir em tão pouco tempo. Que tempo é esse quando o amor se apresenta tão mais forte e sábio que as regras de proteção? Quem quer pensar em acento flutuante quando se está voando? Quem quer pensar em pouso de emergência quando se está chegando em outro mundo melhor? E agora nada e você nada e tudo nada. O amor no planeta das canetas Bic que somem. O amor mais um como se pudesse ser mais um. O amor da vida de um mês. Você com medo de ser mais um e você único e tanto amor e tão pouco tempo. O que você fez com ele para eu nunca fazer igual? Eu prefiro ser quem te espera na porta pra entender. Eu prefiro ser quem te espera na outra linha pra entender. Eu prefiro ser a louca do jardim enquanto o mundo ri e faz suas coisas. Do que ser quem se tranca nessas salas infinitas suas pra nunca entender ou fazer que não sente ou não poder sentir ou ser sem tempo de sentir ou ser esquecido e finalmente não ser.

Tati Bernardi - A louca do jardim.