27/04/2011

Ninguém - RECORTE X.

Sapato baixo, calça larga e cabelo preso. Esquentou e seus ombros tensos agradecem. Que cara bonita é essa? Já logo no elevador. Ah, devo ter dormido bem. Bom dia, bom dia. Olha, você está muito bonita hoje. Um fala, outro concorda. E pelos corredores, sorrisos dão continuidade aos elogios. O que é? Que segredo ela guarda? Que novidade é essa? Na cozinha perguntam: novo amor? No estacionamento perguntam: voltou com alguém? No restaurante, na hora do almoço: é alguém novo? Cruza com um namorado antigo "nossa, você tá muito... é o quê? Sexo? A noite toda? Conta, vai, eu agüento ouvir". Contar o quê? No espelho, enquanto escova os dentes, fecha os olhos e sabe pra si o segredo: ninguém. Não gostar de ninguém. Nada. Nem um restinho de nada. Nem de tudo que acabou e nem de nada que possa começar. Nada. Pouco importa qualquer outra vida do mundo. Não é nem pouco, é nada mesmo. Um dia inteiro para achar gostosas coisas bobas como um pacote de pipoca doce, um tênis pink ou a hora do banho quente com músicas recém baixadas e o tapetinho vermelho. Um dia inteiro sem escravidão. O celular, o e-mail, o telefone de casa, o ar, o interfone, a rua. São o que são e não carrascos que nada dizem e nada trazem. Um coração calmo, se ocupando de mandar sangue para as horas felizes de trabalho, estudo, yoga, massagem, dormir, bobeiras, pilates, comer, rir, cabelo, filmes, comprar, trabalhar mais, ler, amigos . É isso. Uma agenda enorme que a ocupa de ser ela e não sobra uma linha de dia pra lamentar existências alheias. Linda, ela segue. Linda e feliz como nunca. O segredo do espelho, escovando os dentes, sozinha, aperta os olhos, segura a alma um pouco sem respirar. Segura a pasta pensando que é um pouco de alma consistente na boca. Não cospe, suporte. Ela pode finalmente suportar seu peso e não dividir isso nem com o ventinho que entra pela janela. Nem com o ralo que a espera boquiaberto. A sensação é a da manhã seguinte que o papai Noel deixava os presentes: não é mentira, é só um jeito de contar a verdade com algum encantamento.



18/04/2011

Poesia e só.

A correria e o passar dos dias de forma rigorosa têm me tirado a poesia. Tenho estado sempre cheia.
Cheia de idéias, cheia de vontades, cheia das pessoas – só algumas -, cheia do que fazer e do que falar – mesmo sem ter vontade de falar nada.
E por outro lado, estou vazia.
Vazia de gente que eu goste, vazia de tempo sobrando, vazia de paciência, vazia de essência.
Tento ficar pelo meio. Achar um jeito de me equilibrar na corda do tempo que vai afinando sob os meus pés.
Mas tem sido cada dia mais difícil achar no meio de tanta bagunça, de tanta informação, de tan.. Como assim, ‘achar o que’?
A minha poesia, a minha calma, a minha vontade, o meu sonho.
Não. Não é que eu tenha vontade de sonhar. Você sabe que eu nunca quis, e continuo não querendo. Acordar aos pulos, às quedas, aos gritos, aos sonhos. Enfim.
Quero o sonho acordado, de sempre querer algo novo, de me manter em vigília pra não perder um detalhe sequer de tudo de bom que eu posso ter.
Mas eu tenho vontade agora, apenas de dormir. Meu sono pesado de sempre.
De sempre ser sonho, ser calma, ser música, com sorriso aberto e olhos fechados. – ou não.
Mas ser, poesia sonhando, e só!

14/04/2011

Hey, chora pra frente, baby. E anda!

Me falta paciência pra escutar.

Sabe, quando dá nos nervos?
Hei, baby! Acorda! Você já chorou de verdade?
Já sentiu doer de verdade? Já ralou a carinha no chão, baby?
Quantos anos você tem? Quantos muros, você teve de fazer?
Pára de reclamar, garoto! Vai fazer alguma coisa!
Como assim, ‘fazer o que?’ Você não tem vida?
Enche a cara, sai com uma puta, ouve um rock, faz a cabeça.. Sei lá!
Vai viver, amigo.
Se preferir, vira gente grande e tenta ser Homem!
Planeja coisas, casa, estuda, trabalha, planeja mais coisas, e fingi que ta bem.
Conheça pessoas que finjam ser normais, se passa por normal também.. E aprende a sofrer!
Mas sofre pra você, ta?
Sofre com o travesseiro, sofre com músicas melosas e cantores de samba, da voz triste e bonita.
Sofre com a poesia dos outros, com livros dramáticos e filmes trágicos. Diz que ta chorando por eles.
Sofre com papel e caneta, colega. Com lágrimas e soluços só seus.
Mas não aqui. Não agora!
Tenho dores de gente grande, desde pequena, – e isso não quer dizer que eu cresci muito! – e não ando pedindo arrego.
Tenho problemas também sabia, baby?
Mas isso é problema meu! Sempre foi!

Então faz assim.. Chega pra lá.
Cada um sofrendo no seu quadrado – ou não.
Dá até pra dizer o que eu acho.. Mas agora não.

Tá bom, eu ouço.. fala!
'3.. 2.. 1..'
Pronto! Agora, me deixa quieta e chora pra lá.

Porque to sem paciência até pra falar!

11/04/2011

Mudos acordes.


Entramos num acordo, então.
Um acorde de cada vez, pra não desafinar.
Acordes mudos, do mundo do sonho.
Cada um no tom que lhe cabe.
E cada tempo no seu tempo certo.
De modo que cantemos juntos,
e não deixemos de lado a harmonia.
A nossa harmonia!
E quando a voz acabar.
Que calemos em sonhos, 
e apenas possamos sorrir.
Com os olhos, bocas e corpos.
Conversando calados, no ritmo certo.
No ritmo nosso!