24/11/2016

das elocubrações.

"Estou profunda,  como um poço sem fundo."
Ela disse: não esquece. Não deixa passar.
O meio do mundo tá no fundo.
Do que eu não digo,  e que se funde quando eu olho.
Sustenta. O fundo não chega. A fala não chega.
O mundo não cabe no fundo das coisas.
Que chegam e não passam.
Que fundam e começam na mesa da casa.
Na morte do nada. Na casa do fundo da gente.
Que não acumulam e não acomodam no resto de fundo que resta de tudo. Do todo do mundo do outro.
Da casa de gente que a gente não sente, não chega, não afunda na casa de gente que mora no fundo.
No poço profundo, que é casa de ninguém.
Sinto tão fundo que nem vejo onde.
Tão profundo,  feito mente de monge.
Tão fundo, que nem poço sem tampa.
Sem ver. Sem gente. Nem posso.
Profunda.
Acumulada. Acelerada. Desajustada.
Poça sem fundo.
Sendo a alma. Acumulada. Calada em desordem.
Cedendo.
Não sendo.

13/11/2016

da expectativa.

no meio do dia quente,
amargo, amarrotado no sofá desarrumado...
um filme.
um filme de domingo.
daqueles que a gente sabe [eu sei] que não vão ter o irritante final feliz de sempre.
certeiro!

o que me abateu, escorreu pelo rosto.
a sensação de refletir aquele homem.
a sensação de não desejar que fosse feliz.
de apenas entender, resignado, que não seria feliz.
"mas estava ali, e isso já não era o bastante?"

histórias se cruzavam todo o tempo, enquanto a gente se iludia pensando querer um final feliz.
mas quem quer "chegar lá"? o que é "chegar lá"? onde é "lá"?
lá é quando a gente acorda e percebe que a chegada é agora!
quando a gente acorda e se dá conta que o esperar não basta.
a gente acorda e vê que a garota desajustada que salva o chato da vida de merda, não vem.
que o certinho que equilibra a fuga desordenada da menina problemática, também não vem.
o chato, irritante, que vira melhor amigo sábio, já foi embora. tá cuidando da vida.

e a gente? a gente é a soma de todo o caos que não tem fim nos créditos.
a bagunça que não é graciosa. a tristeza que não é poética.
a melancolia que não é tema do Woody Allen.
o desassossego que não tem remédio.
o drama incompleto que não tem solução. como no filme de hoje.
ninguém saiu feliz. e ninguém o quis.
nem eu.

já era noite. enxuguei o rosto, e parei dois segundos.
"que bom, um final real pra a angústia."
incompleto. quieto e resignado.
chegou lá, Mr. Carter.
eu também.
enxuguei o rosto, e sorri.
dois segundos amarrotados
de um domingo amargo sem sofá.

10/10/2016

do sentir.

 Há poesia nas verdades que eu não digo. Meu silêncio é tão lírico quanto inatingível.  Não precisa haver beleza nas palavras. Mas exatidão.  Clareza que me veste. Me apetece. Não adormece. Estranheza que não mede.  Se admira e escurece.  

Nas poucas sílabas você encontra a resposta incompleta pra a minha agonia. Exaustiva entropia. Paradoxo cíclico. Sentir. Fluir. Rima não cabe em ti. Métrica a desiludir. Desconstruir. 
O labirinto morno esquecido.  Volta a me olhar em refúgio do desassossego.                     
Volto a erguer os muros, deixo a porta aberta e adormeço. Nas verdades que me diz e ainda não  mereço.             

01/10/2016

da distância

Que não cabe
Não sossega. Não negocia.
Me enche a alma na madrugada, sem previsão.
Me enche a cara e solta no vento.
Não sossego. Não afugento.
A calma da madrugada. Que enche a casa.
E não acomoda.
Os sons invadem os sentidos e só respirar já não basta!
Espera. Não cabe. Não negocia.
E eu não sos se go!
O vento solto é que invade a casa. Incomoda.
Afugenta. Tenta.
Invade e não dá trégua.
Até o fim. Que acomoda a calma pálida do ser comum.
E NÃO DÁ CONTA.
Tragando o ar, como o último dos sonhos soltos.
Não quer ir.
Mas a trégua é só por dentro.
Transcende e transpassa.
Acomoda e acalma. Solta o vento invasor e se atrapalha.
Dá conta. Quando atroplea!

30/09/2016

da noite.

Olha!
O escuro olha de volta.
Confunde. Atropela. Esmaga.
Pulsa o peito afogado em agonia.
Não olha!

Respira!
Cala! Se deixa levar!
Arrastada pela força que não conhece.
Descontrola!
Não olha!

Se abre!
Não mede o que deixa.
Tritura a carne. Desobedece.
Não sabe!
Move. Transfere.
Agora olha! Respira! Se abre!
Acorda!

25/09/2016

Da vertigem.

Do que te toca, me interessa o toque.
Não me apetece mensurar, planejar, elaborar.
Me cabe sentir. Não fazer sentido.
Dos dias mornos, me sobram metades. 
Junto pontas pra formar um novo.
"Não sei sentir pela metade", o tanto faz nunca me coube.
Não me olhe de lado, não me abrace de longe, não me beije com pressa.
Essa frieza é só por fora. 

Nos dias quentes, eu chego a derreter. Desfaleço e descabelo.
Mas não paro! Não me calo e não congelo.
Verbalizar é só pretexto pra falar de mim. E isso quase nunca me interessa também.
Minha garganta seca nessas horas.
Mas não me calo e não congelo!
Meu corpo se move solto, tagarelando nada de novo.
E do sentir que já me interessa, eu só toco o que me cabe.

Poros e pupila, dilatados, se entendem. 
Mas a voz. Não sai. Vai embora. Some! 
Derrete no gelo da noite que chega e me abraça.
E abraça inteira, de perto, sem pressa e com fome.

Vou embora. Inteira. Quente. "Em boa hora"!

21/08/2016

Da chuva.

Olhava pra luz, enquanto encostava a cabeça pra ouvir.
O que saltava era um zumbido colorido. Esmaecido pelo olho marejando.
Do que será que tem medo aquela nuvem correndo quando a terra para?
Deve ter medo dessa gente que apressa o mundo.
Que acha que regula o tempo. Que toca no outro sem sentir.
Essa gente é tanta, e tão pouca. Não ouve o zumbir que engarrafa o céu da cidade inteira.
Continuei a olhar pra a luz e me dei conta que já deitava no quintal do mundo,
Dando voltas na casa vazia de dentro da mudez de sempre. Esperando e esperando...
Nem vi quando o sorriso abriu. Só via sol. E aquele barulho miúdo, quase surdo.
Desperdicei todo o tempo cuidando do que nem sei. Com medo do que nem vi.
E daqui pra depois só penso em levar a alma pra lavar, no barulho que cai e leva o medo e o todo.
Da nuvem e meu.
O meu medo? Não, dessa gente não mais.
Meu medo é não estar. Meu medo é do corpo calar.
Meu medo é não desgovernar. E mais.
Meu medo não é ser barulho, zumbido nem luz.
Meu medo é não ser!

13/06/2016

"Qualquer coisa de intermédio"

Sobre encontrar o outro na observação silente. Nunca me foi tão claro.
O outro que encontro é parte também de mim. Como em Mário de Sá Carneiro:
“sou qualquer coisa de intermédio”.
A ponte entre o que eu tenho e o que o outro terá de mim é o medo. Apenas.
Se da entrega o faço, a mim também construo, deixando pedaços talvez, o que eu não queria enxergar é que de nada valerá este encontro, se nada nele me mover.
Amedrontar. Derrubar. Reconstruir. Resignificar.

Disso se valem os alicerces.  

29/05/2016

.

A paixão do brasileiro é o futebol!
Me abstenho de falar ou entrar em discussões a respeito da situação política do país há um tempo, por um único motivo: estou entre torcedores.
Não há o que discutir se o outro apenas espera você concluir a fala para rebater, justificar, contestar. Não tenho habilidades pra lidar com verdades invisíveis. Não consigo conceber como produtivo estar entre dois pólos extremos em busca de razão e coerência. Estou perdida! É isso.
O que ouço é: O MEU É MELHOR, PORQUE O SEU É O PIOR!
E diante de discursos de ódio ao extremo oposto, eu apenas me angustio.
O enredo do Brasil é uma piada! Pura implicância pra ver quem leva o brinquedo no final. E o brinquedo são as nossas vidas, nossas terras, nossa cultura assassinada prematura. Abortada na escola!
O que cresce é a intolerância. Gente morrendo, e a gente dividindo os culpados entre os mocinhos e os vilões. Gente sofrendo, e a gente procurando sustento em erros já cometidos, remoídos, anunciados.
O golpe está posto, e foi deflagrado contra todos nós. Por nós! Todos os dias me sinto afrontada por declarações odiosas e odiadas.
Por gente incitando a barbárie retrógrada de um ódio já antes visto na história do mundo inteiro.




10/03/2016

Notas de inquietação mental: Bobo da corte.


Sobre a habilidade de lidar bem com frustrações: não tenho.
Nunca tive aquele poder mágico de ficar 'ok' pra coisa qualquer que não tenha atendido às minhas expectativas. Contudo, é algo com o que se convive.
O café não tinha açúcar; não tem a cor que eu quero; não tem o meu número; a encomenda não chegou; o dinheiro não entrou; ele não veio.
Não é 'ok', mas logo menos passa. O que se há de fazer?

Ontem ele veio. Cheio de si, e das promessas que eu nunca pedi.
Trouxe uma carga de energia muito intensa. Até então, positiva.
Mas eu nunca pedi.
Não o conhecia, e achei que tudo fosse da experiência com gente.
Gente faz isso com a gente, né? Pra bom ou pra ruim!
Abobalha e faz a gente ver o quanto não esperar nada pode ser pouco pro tanto de coisa boa que o outro pode ter, só esperando que a gente queira.
Mas não era tudo bobagem. E isso também, eu nunca pedi!

Não tenho o hábito de espernear por muita coisa. E, provavelmente, ultrapasso constantemente os meus limites de tolerância só porque "não custa nada".
Mas custa. E todo limite ultrapassado, tem limite também!
E a esse respeito, especificamente, vou me permitir aqui uma transcrição.
Eu sei, ABNT não tem lugar aqui, nem a APA. Mas vamos fazer um exercício de compreensão.
Ou, no mínimo, licença poética, pro Alexandre Nero:

"Minta pra mim!
Diz que gostou da comida que eu fiz; Dos brincos que comprei, das flores que eu mandei.
Minta pra mim!
Diz que é pra sempre; Que não vive sem mim; Que nascemos um para o outro.
Minta pra mim!
Ria das minhas piadas sem graça; Termine as frases comigo e diga “compatibilidade de gênios”!
Diz que não ouve meu ronco; Que meu cheiro é bom, mesmo quando estou suado; Que dinheiro não traz felicidade.
Minta pra mim!
Diz que eu emagreci; Que a dieta da lua tá funcionando, mas pra eu não emagrecer mais, por que você gosta de “ter onde pegar”.
Diz pro mundo, que vc sempre me foi fiel; Que eu sou o seu primeiro, não que isso seja importante.
Mas a mentira é!
Eu não quero saber da verdade; Odeio gente que diz a verdade; Gente sem coração!
Quando vc me deixar....Quando você for embora. Diz que é pro meu bem,
Que é VOCÊ que me faz mal, que eu mereço coisa melhor, que eu sou sensacional.
Mas.....MINTA PRA MIM!!
Esse será o nosso combinado, o nosso segredo......eu e você, eternamente....
... como o Sr. Roarke e o Tatoo, numa Ilha da Fantasia."



Gostou, né? Conveniente, eu acho. Até demais!
O Nero é daquelas pessoas que você ouve falar e deseja que tudo se encaixe.
Deseja que aquela letra seja sobre você, e sobre qualquer coisa que você faça ou pense.
E quase sempre o é!
É daquelas poesias desorganizadas que te assaltam com coisas que você, talvez, nunca se daria conta sozinho. E eu quis. Que fosse simples assim. Como naquela conversa de que "os ignorantes é que são felizes".
Pois eu tenho algo a dizer: NÃO!
Não há nada que você possa fazer, a respeito da mentira, que me deixe feliz, nem por um segundo.
Nada da frustração que pese mais que a ilusão. Nem um grama. 
Sobre o Nero, não o ouça dessa vez. Não me vende os olhos. Não me tape os ouvidos. 
Gosto das coisas claras. Mesmo que não me caibam. 
A verdade não precisa ser uma cruz. não precisa ser a utopia dos discursos. 
Ela pode ser a minha dor. Mas passa!
Me machuque!
Me rejeite, frustre, desaponte, humilhe, se for do seu desejo.
Mas não. NÃO MINTA PRA MIM!

Só não me confunda. 
E não me subestime. Não sou de ordens e calmaria. 
Mas sou de clareza. Seja claro, e as consequências serão claras e diretas, mesmo que não tão calmas. 
E a esse respeito, tenho uma citação mais. A última, prometo!
E sobre essa, nem vou comentar. É, como eu disse, simples, direta, clara e autoexplicativa. 
No, sugestivo, DVD "Coração Inevitável" de 2013, Ana Cañas recita: 

"Não tem mistério, não tenha medo.
Seja sincero, diga a que veio.
Víscera, víscera, víscera, víscera...
O inimigo meu. Sou eu!"


Acabo de desconhecer um 'Bobo da corte'.