25/01/2011

RECORTE VII.

Veio num sonho, certa noite. 
Ela o amava. Ele a amava também.
E ainda que essa coisa, o amor, fosse complicada demais para compreender e detalhar nas maneiras tortuosas como acontece..
Naquele momento em que acontecia dentro do sonho, era simples. 
Boa, fácil, assim era.
Ela gostava de estar com ele, ele gostava de estar com ela. Isso era tudo.
Dormiam juntos, no sonho, porque era bom para um e para outro estarem assim juntos, naquele outro espaço. Não vinha nada de fora, nem ninguém.
Com um jeito tranquilizador de deixar sempre no ar que nada do que é humano lhe é estranho.

@Caio F. Abreu

12/01/2011

Sleeping.

Sentar no topo do mundo, e escolher de qual abismo se jogar.
A certeza é que nenhuma das escolhas vai deixar de ter implicações futuras.
Desde decidir entre o café quente, ou o suco gelado.
Até ter a certeza de querer lidar com máquina ou com gente.
A maior dificuldade é chegar à conclusão final.
Depois, é paciência e jogo de cintura. É sentar pra descansar!
Jogar os pesos pra cima e mergulhar no mar. Ficar lá!
Não ouvir, não ver, não falar!
Nada. Nem ninguém!
Perder a consciência e descansar de si.
Recuperar o fôlego, e sair.
Em, 3..2..1.. ON!
Acordar, sorrir e andar!

07/01/2011

RECORTE VI.

[...] E você riu e disse "mas eu só estou fazendo minhas coisas". E eu me senti idiota e louca e chata e isso foi muito cruel ainda que seja tão normal. Normal não me serve não encaixa não acalma. E eu achei que a gente podia ter uma bolha nossa pra ser louco e improvável e protegido do lugar comum do mundo mediano adulto das pessoas que riem e fazem suas coisas. E tudo ficou feio, até você que é lindo ficou feio. E eu quis me fazer cortes. Porque viver é difícil demais. E todo mundo me olhando, rindo, fazendo suas coisas. E daqui a pouco eu rindo e fazendo minhas coisas. E no fundo, abafado, dolorido, retraído, medicado, maduro, podre: onde está o amor? Onde ele vai parar? Onde ele deixou de nascer? Onde ele morreu sem ser? Por que eu sigo fazendo de conta que é isso. As pessoas seguem fazendo de conta que é isso. E por dentro, mais em alguns, quase nada em outros, ainda grita a pergunta. O mundo inteiro está embaixo agora do seu lindo e refinado e chique e rico prédio empresarial de milionários. Gritando nas janelas, batendo nas portas, tirando você da sua reunião: o que você fez com o amor? Esse dinheiro todo, essa responsabilidade toda, esses milhões todos, essas pessoas todas que você quer que te achem um homem. E o amor, o que você fez com ele? Enfiou no cu? Colocou na máquina de picar papel? Reaproveitou a folha pra escrever atrás? Reciclou? Remarcou pra daqui dois anos? Cancelou? Reagendou o amor? Demitiu o amor? É o amor que vai fazer você ser isso tudo e não isso tudo que você usa pra dar essas desculpas pro amor. [...]

[...] Eu aleijada, engessada, roxa, estropiada, quebrada, estou na porta, esperando você, por favor, me ensina, o que fazer, vou fazer o mesmo com o meu. Vou mandar junto com o seu. Nosso amor pro inferno, longe, explodido, nada. E a gente almoçando em paz falando sobre o tempo e as pessoas escrotas e o filme da semana. Bela merda isso tudo, bela merda você, bela merda eu, bela merda todos os sobreviventes que riem e fazem suas coisas e almoçam e falam de filmes. E por dentro o buraco gigante preenchido por antidepressivos, ansiolíticos, calmantes, cervejas, maconhas, viagens e mais reuniões. Pra onde foi o amor? De pé seguimos pra nunca saber, pra nunca responder, pra nunca entender. Pra onde? [...]

[...] E agora eu louca porque não se pode sentir, porque senti sozinha, porque não se pode sentir em tão pouco tempo. Que tempo é esse quando o amor se apresenta tão mais forte e sábio que as regras de proteção? Quem quer pensar em acento flutuante quando se está voando? Quem quer pensar em pouso de emergência quando se está chegando em outro mundo melhor? E agora nada e você nada e tudo nada. O amor no planeta das canetas Bic que somem. O amor mais um como se pudesse ser mais um. O amor da vida de um mês. Você com medo de ser mais um e você único e tanto amor e tão pouco tempo. O que você fez com ele para eu nunca fazer igual? Eu prefiro ser quem te espera na porta pra entender. Eu prefiro ser quem te espera na outra linha pra entender. Eu prefiro ser a louca do jardim enquanto o mundo ri e faz suas coisas. Do que ser quem se tranca nessas salas infinitas suas pra nunca entender ou fazer que não sente ou não poder sentir ou ser sem tempo de sentir ou ser esquecido e finalmente não ser.

Tati Bernardi - A louca do jardim.