27/08/2010

Reticências.

Nunca me preocupei em rotular, ou definir as relações à minha volta.
Não de forma consciente pelo menos.
Sei o que me faz bem, e o que não faz!
Sei bem o que quero, e o que não quero!
Sei do que eu gosto, sei do que eu ouço, sei do que eu falo!
Não me incomodo em saber do que eu penso, porque isso.. Aaah, isso é só meu!
E não cabe a ninguém me obrigar a entender a não ser que me seja vital!
Salvo isso, não sei de muita coisa.
Não me acostumo com traição. Não acho normal, omissão.
Não gosto de tentar, não gosto de cansar, não gosto de enjoar, não gosto de ponderar.
Não tenho muita paciência, mas estico a que me resta até que não consiga mais estender os meus braços.
Não gosto de histórias incompletas, inacabadas.
Pra uma história ser boa tem que ter o mínimo de coerência, mesmo que o mínimo seja quase nada.
O básico, o indispensável, é que tenha pelo menos início, meio e fim!
Sim, fim! Porque não? Os finais fazem parte, e são importantes também, oras!
Reticências são pra os que temem o fim!
Pois os meus fins, faço eu mesma! Justificando ou não os meios.
Meios que aliás, nunca me deixaram satisfeita de verdade.
Metades não me movem, não me preenchem, não me fazem querer. Só me cansam.
Sei reconhecer quando chega a hora de parar, de pausar e descansar.. Ou de pular.
Abandonar o barco! Certa de que estou inteira!
Como sei? 
Muito simples.. Quando tenho que pensar demais.
Quando tenho que medir demais, me preocupar demais.
E quando deixa de ser bem, pra ser busca.. E então passa a ser menos.
Menos paciência, menos paz, menos sorrir, menos sentir!
Quando pesa. Sabe, quando pesa?
Então. Aí eu largo tudo no chão e volto ao meu lugar.. Me desfaço do peso e disfarço uma angústia reprimida e uma tristeza sufocada.. Mas só por alguns segundos.
Respiro fundo e conto: 1, 2, 3, 4, 5... foi!
Volto a sorri, a ter certeza completa de quem sou, e do que eu sinto.
De onde estou e do que eu devo fazer!
É bom saber por onde piso.
Porque mesmo com o chão cheio de cacos de vidro, eu piso com o pé inteiro!



‘Afinal, a má gramática da vida nos põe entre pausas, entre vírgulas. E estar entre vírgulas, é aposto. E eu aposto o oposto!’
@Fernando Aniteli

24/08/2010

A angústia bem vinda.

Tô mordendo o fone de ouvidos agora, enquanto ouço a voz doida de tão leve da Adriana Calcanhoto.
Você sabe! Quando eu to nervosa eu mordo. Geralmente a mim mesma, mas hoje por sorte o fone apareceu!
E enquanto eu ouço súplicas gritantes sendo quase sussurradas, eu sigo a letra.
‘Porque meu coração dispara quando vem o seu cheiro, dentro de um livro..’
Quase posso sentir o cheiro, e acabo fechando o livro pra não correr o risco de ficar doida também.
Inalo a angústia em demasia. O ar chega a pesar por conta da ansiedade e me dá embrulhos no estomago pensar em qualquer coisa lógica agora!
Mas você sabe, quanto mais nervosa, maior é o estrago!
Eu reclamo, mas é só de brincadeira.
Porque no fundo, no fundo.. me encanta o vislumbre de reações que eu não sei quais serão, muito menos se virão de fato!
A realidade é que quanto menos eu sei, mais eu quero.
Descobrir, do jeito que for. Do meu jeito, na minha hora, ou não!
Desvendar, explorar, escavar.
Deixar de procurar trilhas prontas pra chegar às respostas.
Prefiro criá – las. As trilhas, quero dizer. Você me entende?
Achar as respostas sozinha, sem ter de interrogar, torturar..
Apenas ouvi – las, vê – las acontecer por si!
Se não forem favoráveis? Se desaparecerem e eu ficar no escuro?
Aaaah, faça – me o favor!
Sabe muito bem que sei lidar com isso!
Não faço idéia de como. Nunca faço!
E acho que essa é a última de todas as respostas a aparecer.
Mas ainda assim aparecerá, e esse queimar que me consome terá valido a pena!
E o fone estragado também.
Porque amanhã terei outros.
Outros mistérios, outras músicas, outras angústias, outras respostas e, principalmente, outros fones!

18/08/2010

Recorte II.

A vida rolando por aí feito roda-gigante, com todo mundo dentro, e eu aqui, parada, pateta, sentada no bar. Sem fazer nada, como se tivesse desaprendido a linguagem dos outros. Olhando de fora, a cara cheia, louca de vontade de estar lá, rodando junto com eles nessa roda idiota.
Dama da noite, todos me chamam e nem sabem que durmo o dia inteiro.
E acontece que eu ainda sou babaca, pateta e ridícula o suficiente para estar procurando ‘O Verdadeiro Amor’.
Para de rir, senão te jogo já este copo na cara!
Pago o copo, a bebida. Pago o estrago e até o bar, se ficar a fim de quebrar tudo! Todo machinho da sua idade, tem loucura por dar o rabo, meu bem. Ascendente câncer, eu sei: cara de lua, bunda gordinha e cu aceso.
Você não viu nada, você nem viu o amor!
Que idade você tem, 20? Tem cara de 12. Já nasceu de camisinha em punho, morrendo de medo de pegar AIDS.
Já viu gente morta, baby? É feio, baby. A morte é muito feia, muito suja, muito triste.
Queria eu ser assim, delicada e poderosa para te conceder a vida eterna. Eu cansei. Já não estou mais na idade. Quantos? Ah, você não vai acreditar, esquece!
O que importa é que você entra por um ouvido meu e sai pelo outro, sabia?
Você não fica, você não marca. Eu sei que fico em você, eu sei q marco você.
Tá tudo bem, é assim que as coisas são: ca-pi-ta-lis-tas, em letras góticas de neon.
Viro outra vez aquilo que sou todo dia, fechada sozinha perdida no meu quarto, longe da roda e de tudo: uma criança assustada.



@ Caio Fernando Abreu

10/08/2010

Desordem.

Nostalgia de acordes. Confusão, distração, atração, erupção!
Essas são as palavras de ordem, ou desordem.. Como preferir.
 O que na verdade me incomoda é que eu não sei falar pra que me entenda. Não sei concordar, contextualizar, verbalizar o que sinto.
O que tenho de mais concreto agora é ansiedade. Eu ouço minha respiração, sinto que cerro os dentes, e que meu estomago embrulha a cada sinal de alerta!
Sim, alerta! Me acorda a velha companhia de sempre.  O medo. Do bicho papão a quem tenho deixado bem à vontade dentro de casa.. Brinco com ele, e não me assusto quando o vejo de frente. Mas medo e solidão são companhias que me querem só. Sem bicho, sem grito, sem calma.
Angústia requentada, remendada, relembrada. Sentimento de querer libertar a casa dos monstros e não ter como fechar todas as janelas antes que eles voltem.
Tenho paz na voz, tenho um sorriso nos olhos, tenho até um lampejo de inocência. Mas isso não dura muito!

07/08/2010

Por não estarem distraídos.

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

@ Clarice Lispector.

01/08/2010

Aprendendo a ler.

Ela só olhava. Não diria nada, nunca!
Nem precisava.. E ele tinha consciência disso.
Ele contava, em um discurso interminável, tudo o que havia vivido até então.
E ela só olhava. Olhava e ria.. Mas nada, nada, jamais diria!
Não podia se entregar, e se falasse algo, isso aconteceria com muita facilidade.
Se quisesse, ele que percebesse sozinho!
Era inevitável, a cara de boba, o sorriso fácil, e os suspiros disfarçados.
Mas só ele não via, era o único que não percebia.
A luz não era muita, e o lugar era de um ruído confuso, mas não muito alto. Porém qualquer um que olhasse com um pouco mais de atenção por apenas 2 segundos enxergaria!
Ela estava apaixonada!
E repito, era muito fácil perceber.
Mas porque, então ele não conseguia se dar conta?
‘Ele não é muito observador’. Ela dizia pra as amigas, como se achasse bom. Mas não precisava ser. Era mais do que óbvio. Pelo menos pra as outras pessoas.
Mas não é preciso entrar nesses méritos. Poucos observam a ponto de perceber o que se passa, tão de perto. Normalmente só se consegue ver coisas assim, quando se está de fora.
Imune à explosão de sentimentos e sensações, às dúvidas, e às expectativas que se confundem.
Porém, o que se via não era dúvida. Era como um ímã, os olhos dela nos lábios dele, enquanto falava.
E como ele falava!
Ela parecia incansável, hipnotizada!
Passaram alguns conhecidos, deram boa noite. Eles não os viram, de fato. Apenas acenaram.
E ele continuava a falar. Falar e sorrir. Ninguém se deu conta também.
Que ele ria, do sorriso dela, dos olhos dela. E via que quanto mais ela sorria, mais ele queria falar. E falava!
Ela dava toda atenção a ele, e ele adorava isso. Dava todo o seu sorriso, e ele gostava ainda mais. Ela era linda sorrindo! – como se não o fosse enquanto séria, ele pensava. – Mas não precisava falar, não queria também tocar nesse assunto. Não poderia falar tão sério agora. Ainda era cedo. Achava que a assustaria, assim como ele estava assustado com o que sentia.
Mas não tinha pressa. Ia ser paciente, e esperaria o tempo certo.
O tempo dela, ou dele.. Não sabia ao certo. Mas esperaria.
O necessário, pensou!
Enquanto ele devaneava, esqueceu de continuar falando, e só percebeu que parara quando viu que o sorriso havia sumido, e ela o fitava confusa.. esperando que ele continuasse.
Ele apenas sorriu, sorriu o mesmo sorriso que ela e se convenceu que sem maiores explicações, ele deveria dizer o que estava há horas se tornando um bolo enorme na sua garganta.
Ela perguntou, embaraçada e divertida ao mesmo tempo: ‘O que foi?’
Ele apenas sorriu, fez uma expressão de desdenho, como se não fosse nada importante, tocou os dedos na mão gelada dela e se concentrou como se fosse voltar ao assunto anterior.. ‘Eu amo você!’ Assim, tudo de uma só vez, rápido demais pra se arrepender e voltar atrás.
E ela? Fez o que ele mais queria.. Apenas sorriu, um sorriso que ele nunca havia visto.
Então se viu correspondido e reparou no sorriso que todos já haviam notado.
Ficou feliz então, por perceber que ela estava dizendo aquilo a noite inteira, pensando estar sendo discreta.
Afinal ela não falaria nada! Admitir? Nunca, jamais!
O amava, e tinha certeza disso. Mas jamais diria, não em voz alta.
Só não contava que ele uma hora ele fosse aprender a ler!
E leu!